Dia do lixo
Não se enganem pelo título do post. Esse não é mais um desses dias comemorativos dos quais ninguém nunca ouviu falar. Pelo contrário: ele vem sendo cada vez mais discutido, tanto em textos que explicam sobre sua “importância” e também naqueles que ensinam “como fazer”. O “dia do lixo” é o que algumas pessoas – dentre elas, para meu grande pesar, alguns nutricionistas – definem como sendo o dia em que se pode comer qualquer coisa. Normalmente, ele se refere àquela situação em que uma pessoa que está fazendo dieta inevitavelmente vai comer os alimentos “proibidos”, provavelmente de forma exagerada e com sensação de culpa. A primeira coisa que me assusta quando ouço esse termo é que comida não é lixo. Comer é essencial à nossa sobrevivência e faz parte do processo de formação da nossa identidade, daquilo que somos. Uma das coisas que nos difere de algumas espécies e nos torna especiais é a nossa relação com a comida, isto é, o fato de sermos onívoros. Onívoros são aqueles que conseguem os nutrientes essenciais à vida por meio de diversos alimentos. Pensem no urso panda, por exemplo. Ele só vive de bambu. Por um lado parece fácil, ele não precisa lidar com os dilemas e responsabilidades de um mundo cheio de estímulos alimentares e comidas diferentes; mas, quando o bambu acaba, ele não consegue se nutrir. Não é a toa que ele está em extinção...
A segunda coisa que me intriga é: por que usar esse termo? Não consigo pensar num bom motivo. Será que as pessoas pensam que classificar determinadas comidas como “lixo” vai fazer com sejam menos consumidas? Isso não funciona. E não difere muito da boa e velha categorização dos alimentos em “saudáveis” e “não saudáveis”, “proibidos e “permitidos”. Já resumi os malefícios gerados por essa dicotomização da comida aqui e aqui. O que eu quero dizer é: mesmo que de fato a pessoa acredite que aquela comida é “lixo” e não tenha nada que “preste”, isso não vai impedi-la de comer. Já se sabe que o que determina a escolha e ingestão alimentar NÃO é somente o conhecimento nutricional; aliás, ele nem é um dos principais fatores... Um dos principais é o sabor. E digo mais: quanto mais o indivíduo se proíbe ou acredita ser errado comer determinado alimento, mais ele parece atrativo e prazeroso, ou seja, a probabilidade da pessoa comer mais quando exposta a um alimento que considera “lixo” é imensa. E com certeza ela não vai se sentir bem por isso, pois a palavra “lixo” tem conotações negativas muito fortes. Acho que está na hora de revermos e questionarmos nosso discurso e nossas crenças.