O que significa trabalhar com uma abordagem de não-dieta?
Quando me formei em Nutrição em 2010 – aliás, mesmo antes disso! – já sabia que queria trabalhar com uma abordagem de não-dieta (em inglês, o termo usado é non-diet approach). Ao ler o livro “Moving away from diets”, comecei a entender que sim, era possível ser nutricionista e não ter que prescrever dieta, apesar de ter sido a única abordagem clínica que aprendi na faculdade! A partir daí, minha vida pessoal e profissional mudou.
Não trabalhar com dieta, para um nutricionista, é algo que soa paradoxal e chega até mesmo a ser um “ato político”. A primeira coisa que os pacientes questionam é: mas, se você não passa dieta, como você trabalha? O intuito desse post é esclarecer, segundo minha visão e meus estudos, quais são os três princípios fundamentais de um atendimento nutricional não baseado em dietas/planos alimentares, mas sim em mudança de comportamento alimentar e melhora da relação do indivíduo com a comida:
1. Restrição alimentar é desencorajada: além de não fazer bem, pode fazer mal!
Restrição alimentar é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Restrição gera exagero, compulsão e perda de controle ao comer. Restrição pode contribuir com ganho de peso a médio e longo prazo (basta ver os estudos da nutricionista americana Diane Neumark-Sztainer em seu projeto EAT). Chamo de restrição o ato de diminuir ou eliminar o consumo de qualquer alimento, com base em qualquer justificativa, de forma que o indivíduo se sinta privado, passando então a ter uma resposta de “tudo ou nada” sempre que for exposto a esse alimento. Explico melhor: uma pessoa com doença celíaca que decide parar de comer alimentos que contenham glúten não necessariamente se sente privada, pois para ela a exclusão alimentar foi motivada por um desejo de autocuidado e não por medo/proibição. Ela não sente que vai perder o controle caso seja exposta a pão francês. Da mesma forma, uma pessoa que decide parar de tomar refrigerante porque a bebida não lhe faz falta não se sente privada. Ainda assim, se em algum momento ela entender que está com vontade de tomar refrigerante, não se sentirá mal ou culpada por isso. Se tem comidas que você se sente chateado de “não poder” comer ou se sente que determinados alimentos podem ser um gatilho para você comer demais, isso provavelmente significa que você está fazendo restrição.
2. Alimentos não são classificados em “bons” ou “ruins” de acordo com suas propriedades nutricionais.
Dentro da abordagem de não-dieta, inexiste julgamento moral entre os diferentes alimentos e comidas. Isso não significa desconsiderar que alguns nutrientes/substâncias podem ter implicações negativas sobre a saúde. Exemplo: eu sei que gorduras trans podem contribuir com o processo de aterosclerose (“entupimento” de artérias), mas essa informação não me fará demonizar uma trufa recheada que pode conter essa gordura. Afinal, o que causa de fato a aterosclerose é uma combinação de fatores (inclusive genéticos e não alimentares), e não a trufa em si. Ou seja: alimentos não são vistos como “vilões” ou os únicos responsáveis por uma doença ou por um quadro de saúde adverso.
3. Peso é consequência da mudança de comportamento, e não o foco.
Este é um dos pontos mais cruciais: a única abordagem que garantidamente pode prometer perda de peso é a dieta! Dentro de uma abordagem nutricional que prega justamente o oposto, os esforços são direcionados para o entendimento da relação que o paciente tem com a comida a fim de que haja um trabalho focado em ajudá-lo a mudar comportamentos de forma gradual e realista. Isso pode ou não resultar em perda de peso, mas o sucesso do tratamento nutricional não é mensurado pela perda de peso/mudança da composição corporal.
É nisso que acredito e baseio minha conduta profissional. Espero que essas informações possam contribuir para que cada paciente e cada nutricionista escolham o que entendem ser melhor para si.
Boa semana a todos!